A volta às aulas no Rio Grande do Sul terá um tom diferente nas próximas semanas
Serão dados os primeiros passos práticos em direção ao novo Ensino Médio (EM). Na Rede Estadual de Ensino, inicialmente, a novidade será aplicada aos alunos do primeiro ano – que totalizam mais de 100 mil distribuídos entre cerca de 1.100 escolas. Gradualmente, as mudanças serão estendidas aos segundo e terceiro anos.
Pela proposta, a carga horária total é de 1.000 horas – que contemplam 800 horas de Formação Geral Básica e mais 200 horas dos componentes obrigatórios que fazem parte dos Itinerários Formativos. Nessa etapa, o aluno tem as disciplinas de formação geral, como Língua Portuguesa, Matemática, Inglês e Artes, além de carga horária destinada a seu Projeto de Vida, sua relação com o Mundo do Trabalho e com a Cultura e Tecnologias Digitais.
Já no segundo ano, depois de o aluno trabalhar seu Projeto de Vida, ele poderá optar por Itinerários Formativos que contemplem seus interesses profissionais em determinadas áreas. “Toda herança de ensino memorizado está sendo substituída por uma escola que integra competências cognitivas e socioemocionais, teoria e prática. A oferta de uma jornada escolar que favorece o desenvolvimento integral do jovem, estimula seu protagonismo e valoriza a aprendizagem ativa sugere uma arquitetura curricular nova, flexível, que tira as disciplinas das ‘caixinhas’ e trabalha com áreas de conhecimento”, justifica a secretária de Educação do RS, Raquel Teixeira, em texto de opinião publicado em GZH.
Os currículos do Novo Ensino Médio foram construídos para preparar o jovem para a vida, não para as provas.
Raquel Teixeira
O conselheiro do Transforma RS e presidente da IMED, Eduardo Capellari, ressalta que se o sistema for efetivo na prática, os reflexos serão muito positivos. “No momento em que o jovem é convidado a escolher seu processo de vida, as disciplinas de interesse e construir seu Itinerário Formativo, vai chegar muito mais pronto para o Ensino Superior – se essa for uma escolha. Mesmo em idade muito jovens, eles vão conduzir um tipo de formação que vai levá-los a maior maturidade. Quando chegar a hora de decidir a área de atuação, ele terá com uma visão muito mais assertiva”, opina Capellari.
Desenvolvimento econômico e social
A educação é um pilar prioritário nas ações do Transforma RS para ampliação da competitividade econômica e social do Brasil. “Como uma vertical estratégica, a educação que defendemos vai ao encontro dessa modernização toda e necessária”, destaca o CEO do Transforma RS, Ronald Krummenauer.
“A velocidade das transformações no século 21 torna imprescindível a atualização do aprendizado, da educação de forma geral”.
Ronald Krummenauer
De acordo com Ronald, “independente do caminho ou dos setores que o Brasil vai trilhar na inovação e diversificação da matriz produtiva, a educação é a base para o desenvolvimento”. Na sua visão, “se o país não consegue melhorar nesse sentido, vai perdendo posições na competitividade global e, principalmente, tendo mais dificuldades, tanto de se desenvolver como país quanto ajudar as pessoas, crianças, adolescentes e adultos nesse processo”.
Evasão
Uma das contribuições esperadas, inclusive, é a redução da evasão escolar no Ensino Médio – que é período de grande desistência por parte dos estudantes. Em 2019, o patamar era de 7,1% e está agora em 4,4% no segundo semestre de 2021, segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), do IBGE. “E o quadro do jovem no Brasil agravou-se com a pandemia. Muitos alunos do EM tiveram que trabalhar para o sustento deles e da família. A maioria se afastou em função disso. No geral, os jovens ficaram descrentes, e a escola tem o desafio de trazer esperança”, contextualiza a secretária Raquel.
A evasão ocorre também porque o principal foco do Ensino Médio até o momento era preparar os alunos para ingressar na Universidade e essa, muitas vezes, não é a realidade, por uma questão de perspectiva. “Por isso, muitas vezes, o estudante não encontra um sentido no Ensino Médio. Ele começa a trabalhar e desiste de estudar. Essa mudança é uma tentativa de colocar no Novo Ensino Médio um modelo próximo ao que já existe em outros países – você faz com que o aluno discuta já nesse momento da vida a sua carreira futura”, comenta Capellari. Segundo ele, a lógica do projeto de vida é que o aluno passe a ter algum tipo de acompanhamento vocacional e a possibilidade de, nos Itinerários Formativos, escolher onde deseja dar mais ênfase.
Capacitação e mercado de trabalho
Uma das possibilidades é de que esse movimento também contribua com mudanças de perspectivas no próprio Ensino Superior e na preparação para o mercado de trabalho.Um exemplo é a área de Tecnologia. “Se um aluno no primeiro ano define que vai para esse setor e escolhe um Itinerário Formativo que melhor se adéqua a essa possibilidade, pode ser que ele termine no Ensino Médio, realize cursos de curta duração na área de TI e seja contratado, não precise necessariamente passar pela Universidade”, explica o conselheiro do Transforma RS.
Além disso, determinadas profissões tradicionais estão esgotadas em termos de demanda de mercado. Ao mesmo tempo, outras áreas que, dez anos atrás não eram vistas com potencial de empregabilidade, hoje, há demanda. É o caso, mais uma vez, da Tecnologia. “Todo mundo fala em transformação digital, mas nós não temos engenheiros de software, de computação, cientista de dados. Mesmo em marketing digital, não há profissionais suficientes”, enumera Capellari.
Mas já há sinais de mudança de perspectiva. Em 2022, pela primeira vez, em duas décadas, Ciência da Computação é o segundo curso mais procurado no vestibular da UFRGS – atrás apenas da Medicina. Muito diferente do que se observava até 15 anos atrás, quando, além de Medicina, Direito, Odonto e Engenharia ocupavam o topo da lista. “Hoje, o aluno do primeiro ano do EM não enxerga essas possibilidades. Mas se conduzido adequadamente, o novo Ensino Médio vai permitir que esse processo aconteça junto aos jovens”, projeta Capellari.
Implementação e desafios
Apesar de acreditar nas transformações ocasionadas pelo novo conceito, um dos questionamentos de Eduardo Capellari é sobre a forma como a implementação será feita nas diferentes redes de ensino. No caso da rede privada, a possibilidade de colher frutos é muito maior. “Na escola pública, temos um problema de custo dessa operação. É preciso que a Secretaria de Educação do Estado consiga operacionalizar de forma que o aluno tenha opções reais. Do ponto e vista conceitual é ótimo, mas se pegarmos comunidades menores, uma escola de cidades pequenas no interior, por exemplo. Você vai ter uma única escola estadual, um conjunto restrito de professores, isso demanda contratação de profissionais com especialidade nas disciplinas que seriam mais atrativas para os alunos, no Itinerário Formativo. Existem formas de fazer isso, mas precisa ter abertura na Secretaria e muito engajamento dos professores”, ressalta.
Ele acredita que um grande desafio da Secretaria de Educação, especialmente, na rede pública, será aplicar um projeto que gere um grande engajamento de professores – peças fundamentais nessa nova realidade. “Com o professor colocando seu conhecimento, todo mundo vai acabar ganhando”, destaca.
Aproximação com as Universidades
As universidades também podem ser aliadas nesse processo. Capellari acredita que se a escola conseguir ser implementada neste modelo, fará um link entre o Novo Ensino Médio e as instituições de Ensino Superior – há elementos de conexão.
“A rede de Ensino Superior pode se transformar em um grande apoio ao Ensino Médio para milhares de alunos que, daqui a pouco, evadiriam do sistema. Eles ganhariam uma oportunidade de mudar suas vidas”.
Eduardo Capellari “Hoje, temos o ProUni, formas de financiamento, mas esse aluno do EM já nem concorre, nem se prepara para o ENEM. Se você pegar o número de bolsa de ProUni de 100% de gratuidade para a rede privada e olhar o número de inscritos, você vai ver que sobram bolsas”, relata o dirigente.